Crítica – Branca de Neve e o Caçador

A rivalidade entre as mulheres, filha e nova esposa, e a suplantação ao amor verdadeiro, ambientado no meio de batalhas pela coroa.

Um conto de fadas adaptado para os espectadores modernos. Isso é o que se depreende ao assistir ao filme. Mas não digo no sentido de transportar sua realidade para a atualidade, mas sim seu foco menos inocente, mais centrado na ação, e sem perder sua aura de fábula. A princesa agora é mais ativa, tem senso de liderança, e não se apega facilmente a um único amor. O clima é mais sombrio, quando necessário, mas também traz vivacidade no momento certo. O público de hoje, principalmente dos jovens (a que o filme é direcionado), tem uma visão mais aberta do que seja o herói. Não vemos mais aquela doçura de antigamente, aquela bondade quase tola. Hoje, temos a heroína, a guerreira, aquela que busca a todo custo seus objetivos.

E talvez isso é que chame mais a atenção no filme. Sua produção pautou pelos detalhes em demonstrar todo o cenário do reino baseado na idade média celta, que é o fruto de muitos dos contos de fadas. Embora não haja qualquer menção nos créditos, é notório ser uma adaptação ao famoso conto dos Irmãos Grimm, eternamente lembrado pela animação dos Estúdios Disney, de 1937. E está tudo lá: a madrasta que preza por sua beleza física, a princesa rejeitada, a tentativa de assassinato pelo caçador, o encontro dos anões, e até a maçã envenenada e o espelho mágico aparecem. Só que seu desenrolar agora possui um ponto mais centrado tanto em batalhas entre exércitos, como também na motivação da vilã e um reforço em um personagem que até então não era relevante: o caçador. Sim, esse homem, que antes tinha apenas a tarefa de matar a princesa, agora se vê numa situação que pode definir o destino do reino. Provavelmente um sinal da dualidade entre os amores da protagonista, e o foco na batalha, eis que centrar apenas na princesa poderia parecer enfadonho demais para acompanhar.

Falei da motivação da vilã, pois agora pudemos presenciar um pouco de seu passado em flashbacks. Ela teve uma infância difícil, de abusos e pobreza. Mas foi aí que descobriu a magia, e com ela veio o poder. Esse poder de seduzir e permanecer jovem. Esse poder de destruir e aterrorizar todos a sua volta. Será possível se simpatizar com a vilã pelo seu passado sofrido? Será que isso justifica seus atos malvados, como assassinar um rei, manter um governo tirano e maltratar os súditos, trazendo apenas miséria. Isso sem contar no poder de sugar toda a juventude das mulheres, com o propósito de se manter jovem e bela. E não seria isso o que vemos mais e mais atualmente? Mulheres tentando a todo o custo manterem-se jovens. Diria até que não só as mulheres. O medo da velhice parece enraizado na humanidade. E esse medo é transportado ao conto, na figura da antagonista.

Por outro lado, temos ainda a doçura da protagonista. Um tanto suavizada, mas ainda assim, vê-se a bondade e o altruísmo dela. Embora tenha sido aprisionada e mantida em cativeiro por diversos anos, nunca perdeu a benevolência e as qualidades de uma princesa. E a natureza parece lhe trazer toda a ajuda. E é interessante notar que posteriormente ficamos sabendo que os animais e demais seres da natureza são “hospedeiros” de pequenos duendes, como espíritos da floresta, numa alusão clara a “Princesa Mononoke”, animação japonesa de 1997. Está aí, portanto, uma inspiração ao caráter guerreiro e de liderança da heroína.

Pássaros são uma constante no filme. Em sua infância, a princesa socorre um corvo ferido, animal este que viria a ser a personificação da vilã, que se chama Ravenna (raven = corvo, em inglês), e aliado ao fato desses animais ajudarem a protagonista em sua fuga da masmorra e a conduzi-la a um santuário na floresta, o que lhe trará luz a seus ideais, nos mostra como esses seres são relevantes à trama. Importante também mencionar que a própria vilã se alimenta de órgãos dos pequenos animais voadores no anseio da manutenção de sua idade.

Dessa vez, o príncipe já não se vangloria de sua figura e não se caracteriza como o foco central dos sentimentos da princesa. Pode até parecer que haverá um certo romance entre a dupla, que se conhece desde criança em suas brincadeiras. Mas a verdade é que a figura da amizade é que fala mais alto, bem como a inversão da mulher no comando. Não mais o menino lidera as brincadeiras. Aqui, o príncipe (que nem é príncipe, mas filho do Duque) se mostra não só submisso, mas também é deixado a escanteio pela guerreira. A graça está em pensarmos que ele servirá para alguma coisa, mas a verdade é que não tem qualquer utilidade, a não ser servir de armadilha para confundir a protagonista no plano final da Rainha-Má (e aqui presenciamos a tal “maçã envenenada’). O fato é que o verdadeiro amor não está apenas na atração física, ou na simples afinidade da infância. O amor tem que suplantar tudo isso, o que vemos em apenas um personagem…

O caçador. Este homem, que teve um passado terrível de perdas e misérias. Viúvo, agora se vê entre os vícios da bebedeira e dos jogos de azar. Em seu desespero, acaba por aceitar a tarefa covarde de raptar a princesa fugitiva, sob uma promessa que viríamos a saber ser falsa. Porém, enxerga na protagonista uma certa esperança, uma certa chance de redenção, a proteger uma mulher que falhara no passado. Um tanto relutante em vislumbrar tal destino, o caçador acaba tomando algumas atitudes que podem parecer incompreensíveis no primeiro momento, mas se justificam no desenrolar da história. E não podemos deixar de comentar que, por ser um personagem mais atlético, será a figura central nas movimentadas batalhas que acontecem no decorrer da projeção.

E essa vem a ser a diferença crucial entre o conhecido conto de fadas e o presente filme. Ação é a palavra de ordem. O que vemos são inúmeras cenas de batalhas. Desde o começo, com o embate entre o exército do rei e os guerreiros de vidro, até os ataques ao castelo e ao vilarejo das mulheres marcadas por cicatrizes. A ação de desenrola de forma eficaz, sem muitos excessos, adequados para o baixo grau de violência da produção. É a ação no lugar do romantismo. A superprodução blockbuster atual exige movimento, cenas épicas, efeitos especiais de ponta.

Aqui, não há chances para qualquer romantismo. Aqui, a heroína não busca um parceiro para casar. O que ela quer é retomar a coroa que tem direito, e tirar seu povo da miséria. Sinal dos novos tempos, onde nossos valores mudam, no sentido de trespassar a barreira individual, com objetivo de trazer um benefício não só para a sociedade em que vive, mas também resgatando toda a vida da natureza. Seria uma analogia, onde o mau polui e o bem traz o verde. Não é à toa que vemos o reino da Rainha-Má todo devastado, apodrecido, em contraponto dos lugares onde a princesa visita, que se mostram imaculados, intocados pela ação predatória, com árvores verdes e animais interagindo com a natureza.

E, falando em efeitos especiais, é notável como o filme traz atores de estatura normal interpretando anões de forma convincente. Se não fossem pessoas de tanto renome e fama, ficaria difícil distinguir tais características. Uma pena serem os personagens apenas um alívio cômicos e aparentemente colocados só para reforçar os traços do conto de fadas. É verdade que o destino de um dos anões (que propositadamente tem um momento mais intimista com a protagonista em ocasião anterior) vem a ascender a faísca para a tomada de decisão no início do confronto entre os exércitos. Acontece que tal cena dramática é tão forçada (muito pelo momento intimista enfiado goela abaixo), que é um tanto complicado nos simpatizarmos com os personagens. E, tendo no elenco nomes tão fortes da dramaturgia, acredito que mereciam mais do que serem apenas uns coadjuvantes de luxo.

Essa eterna disputa entre filha e madrasta, qual a mais bela? Talvez por uma questão de amor pelo pai, este homem que agora se divide entre sua nova esposa e sua filha. Quem tem um lugar mais próximo em seu coração? Não seria o amor pela madrasta mais material (por isso a necessidade de se manter bonita e jovem), contra o amor de espírito, de afeto, de proteção, esse amor genuíno, que existe de pai para filha. Deve ser por isso que nos contos de fada o amor verdadeiro sempre vence. Será que não há mesmo lugar para romantismo? Vemos aqui que, apesar do foco nas batalhas, há sim, sempre uma oportunidade de se frisar que, mesmo não havendo o “felizes para sempre”, as pessoas que amam de forma sincera, saem vitoriosas.

3 comentários em “Crítica – Branca de Neve e o Caçador

  1. Belo texto, como sempre!. Assisti recentemente. Achei o filme razoável. Seria melhor se não fosse protagonizado pela medíocre Kristen Stewart, que aliás, não tem nada de bela…..(e aqui, nem no nome…)

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